Entrevistas
A APEM inicia um conjunto de entrevistas a professores de educação musical, no sentido de conhecer as várias formas como as escolas operacionalizaram as possibilidades de organização curricular durante o ano letivo 2018/2019, no quadro de autonomia e flexibilidade estabelecido no Decreto-Lei 55/2018 de 6 de julho. Pretendemos conhecer o que de novo surgiu e que impacto possa ter nas aprendizagens dos alunos, nomeadamente na sua educação musical.
Entrevista a João Reigado: A educação musical e a flexibilidade curricular nas escolas
A APEM inicia um conjunto de entrevistas a professores de educação musical, no sentido de conhecer as várias formas como as escolas operacionalizaram as possibilidades de organização curricular durante o ano letivo 2018/2019, no quadro de autonomia e flexibilidade estabelecido no Decreto-Lei 55/2018 de 6 de julho. Pretendemos conhecer o que de novo surgiu e que impacto possa ter nas aprendizagens dos alunos, nomeadamente na sua educação musical.
Começamos com a entrevista a João Reigado, professor de educação do musical do Agrupamento de Escolas da Boa-Água, em Sesimbra. Esta escola fez parte do grupo de escolas que entraram no Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular no ano 2017/2018 e é neste momento uma escola com Projeto-Piloto de Inovação Pedagógica (PPIP).
João Reigado
É professor de educação musical no ensino básico, colaborando regularmente na concepção e implementação de projetos de sensibilização à música, quer ao nível do ensino pré-escolar, quer no âmbito da multideficiência. É doutorado em Ciências Musicais pela FCSH, Universidade Nova de Lisboa e membro integrado do CESEM (Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical) da mesma faculdade. Colaborou, enquanto docente, no Mestrado em Ensino de Educação Musical no Ensino Básico, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa e na licenciatura em Música na Comunidade, na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Lisboa. Integrou a equipa de coordenação das medidas do Projeto Piloto de Inovação Pedagógica, em implementação no Agrupamento de Escolas da Boa Água (Quinta do Conde, Sesimbra).
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1. APEM - A tua experiência profissional num contexto de autonomia e flexibilidade curricular já é grande. Qual o primeiro aspeto que realças desta tua experiência?
João Reigado (JR) – Para além de todas as medidas que visam tornar a escola como elemento central na promoção de melhores aprendizagens, destaco sobretudo a importância de cada escola poder assumir uma identidade própria nas decisões sobre o currículo. Ou seja, a possibilidade de o encarar como uma ferramenta que é sensível ao território educativo no qual a escola se insere e ao mesmo tempo atenta à diversidade de inteligências e aptidões dos seus alunos. Desfrutando desta liberdade, atenta e responsável nas opções curriculares que toma, a escola estará mais de acordo com a natureza do conhecimento que as crianças procuram obter, tornando mais efetivo o sucesso escolar de todos.
2. APEM - De que forma está organizada a música na matriz curricular do 2º ciclo da tua escola? Que opções foram tomadas globalmente?
JR – No 2º ciclo, a disciplina de Educação Musical obedece à lógica de 2 tempos por semana. A opção tomada no AE da Boa Água foi juntar os dois tempos num único bloco semanal de 100 minutos. No entanto, estando este agrupamento a desenvolver um Projeto Piloto de Inovação Pedagógica (PPIP), existe um conjunto de alterações à matriz curricular global, decorrentes das várias medidas em que este projeto assenta. Uma destas medidas traduz-se num modelo de aprendizagem baseada em projetos, o que, no essencial, organiza o horário dos alunos, não por disciplinas estanques, mas por tempos dedicados ao trabalho de projeto interdisciplinar, ao trabalho individualizado, à tutoria, à educação física e à cidadania e desenvolvimento. Assim, a carga letiva de educação musical traduz-se em dois tempos de trabalho de projeto, no qual os alunos desenvolverão aprendizagens da disciplina que estão, sempre que possível, articuladas com outras aprendizagens do projeto que estão a desenvolver no momento.
3. APEM - De quantos professores de música dispõe o teu agrupamento?
JR – O agrupamento dispõe de 3 professores de música, com turmas maioritariamente dos 2.º e 3.º ciclos
4. APEM - Para além do tempo determinado na matriz curricular base estabelecida pelo Dec-Lei 55/2018, existe mais tempo de oferta musical no agrupamento?
JR – Os alunos do AE da Boa Água têm um leque de ofertas de âmbito musical variado, nomeadamente: a Orquestra Geração, o projeto Rock’Art, a Oficina de Artes Performativas (3.º ciclo) e o projeto de Dança de Corte Renascentista.
5. APEM - Foram criados espaços de trabalho e reflexão conjuntos entre professores? De que forma?
JR – Neste momento não beneficiamos, de forma contínua, de espaços / tempos formais consagrados à reflexão conjunta entre professores. No entanto, o agrupamento definiu um calendário letivo com 5 períodos em vez dos tradicionais 3 o que, por si só, possibilita a existência de mais momentos de reflexão em equipa pedagógica. No final do ano letivo 2017-18, em resposta a um apelo generalizado dos professores, realizámos uma oficina de formação interna dedicada ao aprofundamento teórico, à reflexão e à partilha de experiências relativas às medidas inscritas no PPIP do agrupamento.
6. APEM - Os atuais documentos curriculares para a música correspondem às tuas expectativas enquanto professor?
JR – Sim. Considero que o documento Aprendizagens Essenciais – Educação Musical (2.º ciclo) (AE) vem revitalizar o papel fundamental da música, da sua prática e fruição no desenvolvimento humano. O modo como o documento estrutura as competências musicais em torno dos domínios experimentação e criação, interpretação e comunicação e apropriação e reflexão reforça a perspetiva interdisciplinar da música na construção de aprendizagens significativas. O modelo de currículo que é proposto recupera, quanto a mim bem, o papel das três grandes áreas de aprendizagem, nomeadamente a Audição, a Interpretação e a Criação / Composição. É um documento que não afunila o currículo mas que toca no que é essencial, revelando uma perspetiva global das aprendizagens sugeridas. Nesse sentido, é um referencial de extrema importância que, não esgotando de sentido o Programa de Educação Musical (1991) oficial, nos obriga, necessariamente, a reinterpretá-lo. O documento AE concretiza, na minha opinião, uma das finalidades maiores do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, na rejeição de um currículo prescritivo, de que todos fazem e aprendem a mesma coisa, ao mesmo tempo. Assim, é contrário à lógica com a qual não me identifico, de exploração de conteúdos musicais isolados e sem relação entre si, encorajando o professor a ser mais criativo no modo como organiza e planifica a prática letiva.
7. APEM - Sendo a tua escola PPIP, que inovação pedagógica ou inovações consideras a marca do vosso projeto?
JR – Destaco as seguintes medidas: a) PCI – criação de programas curriculares individualizados para alunos com retenções repetidas; b) Co-Lab – promover a lecionação de aulas em colaboração entre professores; c) constituição de turmas multinível (5º ano + 6º ano, no 2.º ciclo) organizadas em grupos de trabalho de 4/5 alunos; d) criação da figura de professor-tutor, com um papel fundamental no acompanhamento do percurso escolar de um conjunto restrito de alunos e na articulação com a família dos mesmos; e) conjunto de mudanças de âmbito avaliativo, visando tornar mais eficaz a orientação para o sucesso nas aprendizagens, com reforço da avaliação formativa, assente no feedback contínuo e permanente aos alunos.
8. APEM - Tendo em conta a tua vivência neste projeto e as vossas reflexões conjuntas, o que mudarias para o próximo ano letivo?
JR – Considero que as medidas que estão implementadas se adequam à realidade atual da escola e da sociedade. Existe, no entanto, uma necessidade constante de reajuste de alguns procedimentos e/ou ferramentas, sobretudo de modo a tornar mais eficiente a monitorização das aprendizagens por parte dos professores. São mudanças de ordem instrumental que não afetam os alunos e que não põem em causa as principais linhas orientadoras do projeto. Torna-se inevitável também um incremento na formação de professores, preferencialmente em contexto e enquadrada no âmbito das medidas que o agrupamento implementou.
9. APEM - De uma forma geral, e para além das condições existentes, que característica ou características consideras essenciais no perfil de professor de música para o seu trabalho num quadro de autonomia de escolas?
JR – Acredito que a relação é fundamental para o sucesso das aprendizagens, por isso considero que, acima de tudo, é fundamental um professor mais próximo dos alunos. Um professor que assuma na prática letiva o seu gosto pela música e pela transmissão desse mesmo gosto, seja pela prática musical conjunta, seja pela exposição, mais ou menos formal, dos seus conhecimentos. Um professor que saiba ouvir, que esteja atento à oportunidade educativa, ou seja, não se antecipando ao trabalho de aprendizagem que deve ser dos alunos. Finalmente, um professor que gradualmente se vá capacitando para múltiplas formas / modelos de orientação de aprendizagens, que saiba aproveitar os interesses e desafios que os alunos, os temas de trabalho, os projetos e a própria comunidade envolvente vão proporcionando, enquadrando-os em aprendizagens musicais significativas.
10. APEM - Que contributos gostarias de ter da APEM para a tua prática profissional?
JR – Situo os contributos em três planos: i) promoção de uma reflexão permanentemente atualizada sobre a prática letiva; ii) alargamento da rede de relação entre docentes que se possa concretizar em mais partilhas de ideias, recursos e materiais; iii) a defesa dos interesses da profissão, possibilitando a construção de um pensamento fundamentado sobre o ensino da música e a importância do mesmo.
A APEM
A Associação Portuguesa de Educação Musical, APEM, é uma associação de caráter cultural e profissional, sem fins lucrativos e com estatuto de utilidade pública, que tem por objetivo o desenvolvimento e aperfeiçoamento da educação musical, quer como parte integrante da formação humana e da vida social, quer como uma componente essencial na formação musical especializada.
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